sexta-feira, 12 de junho de 2009

Ministro da Defesa defende torturadores

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JOBIM: MINISTRO DA DEFESA DO BRASIL OU MINISTRO QUE DEFENDE OS TORTURADORES BRASILEIROS?

Sexta-feira, Junho 12, 2009

Celso Lungaretti

O ministro da Defesa Nelson Jobim (na foto, fantasiado com um uniforme de campanha) deitou falação contra a punição dos torturadores do regime militar.

Em entrevista concedida à Agência Brasil, disse várias bobagens e também algo que nos dá motivo para reflexões.
Até agora a ficha não caiu para Jobim, quanto ao seu papel: compete-lhe fazer com que as diretrizes do Governo Federal sejam cumpridas pelas Forças Armadas e não atuar como porta-voz e defensor das Forças Armadas no seio do ministério de Lula.

Parece nunca ter tomado conhecimento da missão da Pasta, conforme descrita na sua própria página virtual: “O Ministério da Defesa (MD) é o órgão do Governo Federal incumbido de exercer a direção superior das Forças Armadas [grifo meu], constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica”.

Ou seja, quando o Brasil saiu das trevas, houve a preocupação de eliminar-se a distorção existente durante a ditadura, quando havia ministros do Exército, da Marinha e da Aeronáutica representando suas Armas no governo.

Pior ainda, eram eles três o governo real, pois os ministros civis não passavam de vaquinhas de presépio, sempre dizendo amém às imposições da caserna; mandavam os escrúpulos às favas, como tão bem definiu o então ministro da Educação (!) Jarbas Passarinho.

Assim, quando o ditador Costa e Silva sofreu uma trombose, os três atropelaram o direito do vice Pedro Aleixo e se constituíram em governo provisório, enquanto brigavam pelo poder nos bastidores. O Exército, como sempre, acabou prevalecendo, tendo o general Emílio Médici sido empossado como novo ditador dois meses depois, enquanto o almirante Augusto Rademaker recebia o prêmio de consolação (vice).


ENQUADRADO POR QUEM DEVERIA ENQUADRAR


Recolocando generais, almirantes e brigadeiros no seu devido lugar, o Brasil redemocratizado adotou a prática da maioria dos países civilizados, de submetê-los a um ministro da Defesa civil. Infelizmente, Nelson Jobim se deixou enquadrar por aqueles que deveriam, isto sim, manter-se obedientes à sua direção superior.

Sua capitulação se deu como consequência de um dos episódios mais traumáticos do Governo Lula, em agosto/setembro de 2007.

O Ministério da Justiça estava lançando o livro Direito à Memória e à Verdade, uma espécie de relatório final da sua Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos, e Jobim exagerou na empolgação.

Em seu discurso, afirmou esperar que as Forças Armadas recebessem com naturalidade essa iniciativa do governo em prol da reconciliação do País. E concluiu com uma bravata pueril: "Não haverá indivíduo que possa reagir. E, se reagir, terá resposta". [Nota da AAA: Isso nos faz lembrar o general Figueiredo no cargo de presidente da República. Ele anunciava avanços na abertura política do País, quando um jornalista perguntou o que ele faria se alguém ousasse ser contra a anunciada redemocratização. Figueiredo bradou: "Prendo e arrebento!"]

O Alto Comando do Exército reagiu mesmo, lançando uma nota em que contestava a posição (até então) oficial do Governo Lula, de repúdio às atrocidades cometidas pelo regime militar.

Num desafio frontal ao Governo como um todo e, principalmente, a Jobim, a nota dizia que “os fatos históricos têm diferentes interpretações, dependendo da ótica dos seus protagonistas”.

E, brigando com a verdade histórica (de que a Arma, ao colocar-se a serviço de golpistas, atentara contra a democracia), o texto rechaçava as críticas à atuação do Exército nesse período em que descumpriu sua missão constitucional: “Não há Exércitos distintos. Ao longo da história, temos sido o mesmo Exército de Caxias”.

Jobim não deu a resposta prometida, até porque Lula preferiu engolir o sapo, ao invés de fazer valer a autoridade de que foi investido pelo povo brasileiro. A insubordinação gritante do Exército passou em branco.

Curvando-se à evidência dos fatos, a partir daí Jobim desistiu das quedas-de-braço com os fardados, passando a acatar seu comando, principalmente nos episódios referentes à punição dos torturadores.

Hoje lidera a facção (majoritária) do Ministério de Lula que considera definitiva a anistia que os ditadores concederam a si próprios e a seus serviçais em 1979, contra a corrente encabeçada pelo ministro da Justiça Tarso Genro e o secretário especial de Direitos Humanos Paulo Vannuchi.


DESDE QUANDO JUSTIÇA É REVANCHISMO?


Na sua entrevista desta semana ( http://www.agenciabrasil.gov.br/noticias/2009/06/10/materia.2009-06-10.9770975409/view ), visivelmente contrariado por ter de cumprir a determinação judicial que obriga o Estado brasileiro a tentar localizar os guerrilheiros executados pelo Exército no Araguaia, Jobim resmungou: “Uma coisa é o direito à memória, outra é revanchismo e, para o revanchismo, não contem comigo”.

Foi sua primeira bobagem. Desde quando alguém pedir punição para quem torturou, mutilou, estuprou, assassinou e deu sumiço em cadáveres é "revanchismo"?! O termo correto, segundo o entendimento da ONU e das nações civilizadas, é justiça.

Depois, Jobim argumentou contra a tese de que o Brasil deveria seguir os passos dos países sul-americanos empenhados em passar a limpo seu passado:

“Quero que o futuro se aproxime do presente. Às vezes, gastamos uma energia brutal refazendo o passado. Existem países sul-americanos que estão ainda refazendo o passado, não estão construindo o futuro. Eu prefiro gastar minha energia construindo o futuro”.

Segunda bobagem. Não se constrói o futuro sobre cadáveres insepultos e atrocidades impunes, pois aquilo que ficou malresolvido acabará explodindo na nossa cara.

Se não formos fundo no desmascaramento do totalitarismo passado, deixaremos de criar anticorpos para prevenir o totalitarismo futuro. Quem não aprende com as lições da História, está fadado a passar de novo pelos mesmos eventos traumáticos.

E o Chile é o melhor exemplo de que se pode muito bem construir o futuro sem varrer as sujeiras do passado para baixo do tapete. Apurou corajosamente os crimes da bestial ditadura de Augusto Pinochet e seu desempenho econômico ao longo desta década tem sido muito melhor do que o brasileiro.

Outras bobagens vieram em cascata:

“Não posso comparar o Brasil com a Argentina ou com o Uruguai. Houve um acordo político em 1979. Houve um projeto de lei que foi aprovado pelo Congresso Nacional. A questão hoje não é discutir se é a favor ou contra torturadores. A questão hoje é saber se podemos ou devemos rever um acordo político que foi feito por uma classe política que já hoje está praticamente desaparecida. É legítimo fazer isso? Vamos perder um tempo imenso fazendo isso”.

O “acordo político” foi firmado entre um ditador no poder e uma classe política não só intimidada, como também chantageada: ou aceitava que fosse contrabandeada para a Lei da Anistia essa muamba (o perdão eterno para os verdugos), ou os presos políticos não seriam libertados nem os exilados teriam permissão para voltar.

E o Congresso Nacional que aprovou o projeto de lei foi o mesmo que os militares fecharam tantas vezes quantas lhes aprouve, sangrando bancadas com a cassação de representantes eleitos pelo povo e impondo um bipartidarismo macaqueado dos estadunidenses (com a extinção arbitrária dos partidos existentes e a proibição de que se organizassem outros além de um situacionista e um oposicionista).

Quanto à perda de tempo, como pode um ex-presidente do Supremo Tribunal Federal colocar nestes termos simplórios a questão de fazer-se ou não justiça? Gilmar Mendes teve a quem puxar...

O único trecho aproveitável da fala de Jobim foi a advertência de que há um empecilho jurídico ao cumprimento de uma eventual decisão favorável à ação movida pela Ordem dos Advogados do Brasil, contestando a validade do artigo da Lei da Anistia que garante a impunidade dos torturadores:

“Se o Supremo decidir que a Lei de Anistia não é bilateral, o que eu não acredito, terá que enfrentar um outro assunto: a prescrição. Há um equívoco. Dizem que os tratados internacionais consideram alguns crimes imprescritíveis. Mas, no Brasil, não é assim. Os tratados internacionais aqui não valem mais que a Constituição. Eles estão sujeitos à Constituição brasileira, que dá imprescritibilidade para um crime só: o de racismo. Trata-se de uma questão legal”.

Ou seja, uma vez derrubado o entendimento de que a anistia de 1979 abrangeu os torturadores, começará outra batalha jurídica igualmente complexa e intrincada: os crimes por eles cometidos estão ou não prescritos?

Jobim antecipou qual será a linha de defesa seguinte dos torturadores. Deveria cobrar-lhes honorários de consultor.

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Celso Lungaretti no blog Náufrago da Utopia - 2:21 PM
http://naufrago-da-utopia.blogspot.com/

PresAA

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