terça-feira, 2 de março de 2010

O mistério da colunista anônima do New York Times

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Tradução e comentário: Caia Fittipaldi*

Bom... Tudo bem, esse negócio de "pequenos empresários da comunicação". Mas não esqueçam que o problema não é o tamanho do empresário: o problema é O JORNALISMO-ZERO. Além do mais, todos os pequenos sempre desejam ficar grandões; não falha nunca.

Mando aí, então -- pra todos verem que em matéria de empresário e de comunicação, o negócio TOTALMENTE não tem limites e, no Brasil, já entrou em fase de rigor mortis acompanhado de adiantado estado de putrefação, tudo podre -- sem melhoria possível -- esse casinho que "deu no New York Times".

Leiam e me digam: alguém precisa desse jornalismo, jornalões e jornalistas? ("Alguém", eu digo, claro, que vise a MELHORAR o mundo, é claro.)

O negócio é o seguinte: se o jornalzinho for jornalzinho de democratização, ele quebra -- de fato -- ele É QUEBRADO pelo grandes. É TOTALMENTE ASSIM, SEMPRE FOI E SEMPRE SERÁ. E, se for jornalzinho de fascistização, tem boa chance de prosperar.

Então... comé que eu posso desejar sucesso a esses "pequenos empresários"?! Por via das dúvidas, sempre recomendo que todos mudem de profissão.

É isso, ou os caras, mais dia menos dia, estarão DEFENDENDO o direito de o NYT mandar os soldados matar afegãos, sem se preocupar. "Liberdade de expressão", né? CONTA OUTRA.

O caso do NYT, que li hoje, é o seguinte:

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O mistério da colunista anônima do New York Times

Glenn Greenwald, Salon

O New York Times de 18/2 publicou coluna monstruosa, assinada por colunista ainda não identificada, no qual a autora lastima que os EUA estejam sendo excessivamente cuidadosos, preocupados com evitar mortes de civis no Afeganistão (e coluna que certamente assustaria até os civis já mortos, não estivessem mortos e, afinal, libertos para sempre – pelo exército dos EUA – desse vale de lágrimas)[1]< /a>. A coluna é assinada por alguém que se identifica como “Lara M. Dadkhah”; e é tão horrenda que quase nem exige refutação, como se a própria coluna se autorrefutassese (como escreveu o leitor-internauta Josh Golin).

Na tal coluna, lê-se:

“Num moderno updating do óbvio – de que morrem civis nas guerras – os militares dos EUA estão aprendendo que civis mortos atrapalham os soldados. (...) Mas a ideia de super destacar a necessidade de proteger civis põe hoje os soldados norte-americanos na defensiva, justamente quando se espera que partam para grande ofensiva.

Claro, não se trata de pregar que EUA e OTAN esqueçam os civis e façam guerra ‘total’ no Afeganistão. Evidentemente também, o pêndulo já avançou muito a favor de evitar a todo custo matar inocentes. A orientação do general McChrystal foi bem intencionada, mas oculta, no âmago, uma mentira – e mentira imoral – porque finge crer que alguma guerra possa ser justa ou humana (...).

Guerras são sempre feias, sempre monstruosas, e melhor que se as evitem. Mas, iniciada uma guerra, o objetivo, e mesmo que seja uma “longa guerra”, tem de ser a vitória no menor prazo possível, usando sem restrições qualquer vantagem que se tenha.”

“Observem que o tom ‘humano’ da primeira parte (“Claro, não se trata de pregar que EUA e OTAN esqueçam os civis e façam guerra ‘total’ no Afeganistão”) é aproximado, como por acaso, ao argumento oposto, quando “Lara” exige “vitória no menor prazo possível, usando sem restrições qualquer vantagem que se tenha.”

Será que ainda se tem de explicar a eles por que o obsceno número de civis mortos, cujas mortes são causadas por ataques aéreos no Afeganistão, não apenas é horrendo, mas, além disso, que é também completamente contraproducente em relação aos objetivos dos EUA? Os interessados em responder e re-explicar, encontram bons argumentos de Stephen Walt, professor de Harvard e editor de Foreign Policy.

Se alguém conhece “Lara M. Dadkhah” e puder localizá-la, poderá também perguntar-lhe pelos resultados que a estratégia que ela hoje prega trouxe aos soviéticos no Afeganistão. Ou se ela pensa que o Exército Soviético algum dia foi “soft”, contido, atento com a preservação da vida de civis inocentes.

Por hora, o que mais me interessa é identificar essa “Lara M. Dadkhah” e, mais importante, descobrir como ganha a vida.

No NYT aparece identificada apenas, ao final da coluna, como: “Lara M. Dadkhah, analista inteligente.” No corpo da coluna, ela escreve: “Embora seja empregada de uma empresa de consultoria do setor de Defesa, a pesquisa em que trabalhei e opiniões que tenho sobre apoio aéreo são minhas.”

Que empresa de consultoria da Defesa a explora? Que laços a liga ao esforço de guerra? Que benefícios aquela empresa espera obter dessa absurda defesa do ‘dever’ de assassinar civis? Que tipo de analista é ela? Sabe-se lá!

Na coluna, Lara M. Dadkhah cita o que diz que teria feito e que chama de “análise de dados compilados pelos militares dos EUA.” Que dados? Onde estão os dados que levaram às conclusões de Lara e para quem ela produziu tal análise? O New York Times não se dá o trabalho de informar e sequer exigiu que a colunista identificasse a “empresa de consultoria da Defesa” que a emprega.

Ainda mais estranho: é praticamente impossível encontrar qualquer informação sobre “Lara Dadkhah” mediante os instrumentos-padrão da Internet. Há praticamente nada no Google sobre ela, antes das referências à coluna-editorial que o NYT publicou.

No buscador Nexis, absolutamente nenhuma referência ao seu nome, zero. E quando perguntei por ela no Twitter, a única referência que apareceu foi que uma Lara de mesmo sobrenome era autora de um artigo publicado em dezembro de 2008, um PDF no Small Wars Journal, no qual expôs exatamente o mesmo argumento podre: “embora o número crescente de mortes entre os civis esteja afastando a população afegã e tornando-a resistente à presença de soldados dos EUA, excessivas restrições que se imponham aos ataques aéreos podem ser prejudiciais aos esforços do Comando das Forças Internacionais”. Ao final daquele artigo,

“Lara” é identificada como “aprovada na disciplina Estudos de Segurança da Escola de Relações Internacionais e Serviço Internacional da Georgetown University. Trabalhou como analista na cobertura de questões de biodefesa no Iraque e Afeganistão, e como analista de dados da atual coalizão de operações de informações no Afeganistão”.

Aí, também, só vagas referências ao trabalho de analista e nenhuma informação sobre quem paga tantas análises, pesquisas e coberturas.

Estranhíssima a atitude do New York Times: publica uma coluna extremista, repugnante, que, na essência, prega que o exército dos EUA mate cada vez mais afegãos civis inocentes e acusa o governo Obama de sacrificar a vida de soldados norte-americanos por excessiva preocupação com civis afegãos!

E o mesmo New York Times omite qualquer informação sobre a colunista, admitindo apenas aquela única, muito vaga referência a “empresa de consultoria do setor de Defesa”, empresa empregadora, a qual permanece sem nome! Não há meio racional para que se avaliem as credenciais da colunista, sua competência, seu currículo, seus motivos, algum eventual conflito de consciência. NADA.

Em resumo, o New York Times permite que “Lara” vomite seus argumentos podres, que pregue o assassinato indiscriminado de civis afegãos em páginas de jornal, ao mesmo tempo em que oculta todas as informações básicas sobre a colunista. Que jornalismo é esse? Que padrões jornalísticos são esses?

Nota:

[1] 18/2/2010, “Empty Skies Over Afghanistan”, Lara M. Dadkhah, New York Times, em:

http://www.nytimes.com/2010/02/18/opinion/18dadkhah.html

A crítica original, em inglês, pode ser lida em:

http://www.salon.com/news/opinion/glenn_greenwald/2010/02/18/nyt/index.html

Ou sobre o mesmo assunto, ver também 1/3/2010, Rethink Afghanistan em:

http://rethinkafghanistan.com/blog

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*Caia Fittipaldi reside em São Paulo, é formada em Linguística, pela USP, e trabalha como tradutora e editora de texto.

Recebido por e-mail da rede castorphoto

Ilustração: AIPC - Atrocious International Piracy of Cartoons

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PressAA

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